Focado na experimentação, o artista reúne composições de múltiplas sonoridades, incluindo flautas sagradas da etnia indígena Bororo, do interior de Mato Grosso.
Multiplicidade de tempos e a diversidade da experiência humana conduzem o mais novo trabalho do compositor Roberto Victorio: “Chronos”, cujo lançamento em março e abril ocorrerá em três cidades brasileiras, Rio de Janeiro, São Paulo e Cuiabá, sedes de importantes eventos de música contemporânea do país. Em cada cidade, um concerto diferenciado, com repertórios e músicos distintos.
No Rio de Janeiro, o concerto acontece às 20h, no dia 23 de março, na sala Alberto Nepomuceno – Unirio; em São Paulo, às 20h, no dia 26 de março, no auditório da Unesp, e em Cuiabá,em abril.
Os concertos no Rio e em São Paulo têm entrada gratuita e serão gravados e editados em DVD para lançamento na capital mato-grossense. Estudioso da música contemporânea, o maestro, compositor, músico, pensador e agitador cultural, Roberto Victorio rompe com o convencional, se entrega a novos caminhos, apresentando um trabalho focado na experimentação e na simultaneidade de tempos heterogêneos. “Chronos” (que significa tempo terreno em grego) tem o tempo e a relação temporal interna como principais elementos direcionadores nas obras.
Dividido em dois CD’s, “Chronos” é um ciclo que reúne 10 peças para distintas formações instrumentais, criadas a partir da temática multiplicidade de tempo, numa introspecção na musicalidade. As obras foram concebidas num período de quatro anos. Sua busca pela complexidade e múltiplas possibilidades o fez pesquisar, por exemplo, na etnia indígena Bororo, interior de Mato Grosso, sonoridade extraída das flautas sagradas. Para tanto, foram dois anos convivendo com os índios para conseguir conquistar a confiança deles a ponto de permitirem o contato com o objeto sagrado.
O instrumentista Pauxy Gentil-Nunes, do Amapá, que participa do CD, teve a experiência de manusear a flauta das almas, como é chamada pelos bororos.
“O uso de instrumentos de concerto misturados com instrumentos de outras culturas (como as flautas sagradas Bororo) evoca temporalidades construídas a partir de formas de vida antagônicas e muitas vezes incompatíveis”,
descreve Pauxy, que aprendeu a manusear as flautas com um feiticeiro da etnia.
Surpreendente, a música contemporânea revela composições em que os instrumentos parecem se multiplicar, remetendo quem aprecia a obra a uma percepção complexa, em que a oscilação temporal parece ampliar as possibilidades da manifestação das sonoridades do tempo real. Neste processo de relativização temporal, são ainda utilizados recursos “não instrumentais”, como assovios, efeitos percussivos, voz e a inserção de silêncios e sons gestuais.
Para materializar o projeto, Roberto Victorio contou com a participação de músicos experientes e premiados internacionalmente. São musicistas que executam de diversas maneiras os instrumentos, extraindo deles todo o seu potencial de existência. Um envolvimento intenso na interpretação da peça.
“Chronos permite o engajamento do instrumentista em atividades que o envolvem como pessoa, e não como simples máquina de produção sonora”,
explica Pauxy, acrescentando que são atividades que incitam o executante a trazer seu próprio tempo para a obra, construindo, junto com o compositor, a trama resultante.
“Chronos” conta com patrocínio da Petrobras, por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Importante apoio, considerando que a música contemporânea não é veiculada na mídia. “No mundo todo é cada vez mais difícil a sua difusão. A pessoa não degusta o que não lhe é oferecido. É uma luta contra tsunamis”, brinca Roberto Victorio.
Para ouvir a música contemporânea é necessário parar e se concentrar a fim de absorver toda a experimentação que ela lhe permite. Seus compositores são como guardiães de tesouros.
“Guardamos essas peças com muito cuidado para quando ocorrer uma próxima renascença”, completa o maestro.
Roberto ressalta que a musica contemporânea exige mais do músico, é um trabalho tão apaixonante que não se tem volta. “É uma experiência intensa tanto para músico como para a plateia”, afirma.
O maestro explica que nos séculos 20 e 21 surgiram dezenas de compositores brilhantes e estes ficaram na obscuridade total. “Nunca se teve tanta produção e, ao mesmo tempo, nunca se ouviu tão pouco. Nos últimos quatro anos, perdemos compositores importantes sem sequer a as pessoas terem conhecimento que existiam”, lamenta.
Trajetória
Roberto Victorio conta que desde moleque já sabia que seria compositor. Seu pai apreciava música e sua mãe era pianista. Aos 15 anos compôs a primeira música.
Concluiu o curso Superior de Violão na FAMASF-Rio e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro obteve os títulos de Regência (bacharelado) e Composição (mestrado). Foi professor de composição e orquestração do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro; regente e diretor musical da Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro; regente do Grupo Música Nova da UFRJ, até 1993 ; e bolsista da Fundação Rio Arte e Fundação Vitae para os programas de composição, respectivamente em 1996 e 2000.
Prestes a completar 50 anos, acumula dez CD’s gravados e como compositor tem em seu catálogo mais de duas centenas de obras executadas nos principais eventos de música contemporânea fora do país, tais como: Festival de Música Nova de Zurique, Hamburgo, Nova Iorque, Budapeste, Bourges, Grösnjan, Montevidéu, Santiago, Genebra, Estocolmo, Tóquio e Cluj Napoca; além de ativa participação em todos os eventos ligados à música contemporânea no Brasil, como compositor e regente.
O artista tem um currículo invejável com incrível reconhecimento internacional. Recebeu o 1º Prêmio no Concurso Latino Americano de Composição para Orquestra em Montevidéu (1985); Menção Honrosa no Concurso Internacional de Composição de Budapeste (1989); 3° Prêmio no Concurso Nacional de Composição para Violão de São Paulo (1990); 2º Prêmio no Concurso "500 Anos das Américas", para orquestra (1992) e 3º Prêmio no Concurso de Composição Bahia Ensemble-UFBa (1996).
Representou o Brasil no Seminário "Time in Music" em Grösnjan/Yugoslávia (1988), na Tribuna Internacional de Composição da UNESCO em Paris (1995/97/99), na Tribuna Internacional de Música da América Latina e Caribe (1997) e no Festival da Sociedade Internacional de Música Contemporânea, na Romênia (1999).
Sempre com um forte teor de ruptura, em 1994 foi maestro da Orquestra Sinfônica da UFMT por um ano. Experimentalista, provocador, compôs e interpretou composições de sua autoria com poesias de Wladimir Dias Pino, Silva Freire e Manoel de Barros.
Há dezesseis anos em Cuiabá, Roberto é professor titular da UFMT, atuando no Departamento de Artes; regente e diretor musical do Grupo Sextante - música contemporânea; e membro da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea. Doutor em Estruturação Musical na Universidade do Rio de Janeiro(UNI-Rio) com pesquisa voltada para a música ritual dos índios Bororo de Mato Grosso.
Músicos convidados“Chronos” tem a participação de importantes músicos da cena contemporânea, como Paulo Passos (clarinete e clarinete baixo), Joaquim Abreu (percussão múltipla e marimba solo), Marcos Suzano (eletrônica em tempo real), Dimos Goudaroulis (violoncelo solo), José Feguri ( violoncelo), Rogério Wolf (flaut), Eduardo Gianesella (bateria), Ingrid Barancoski (piano solo), Marcilio Lopes (bandolim), Mateus Ceccato (violoncelo). O Quarteto Aroe traz os flautistas Andrea Ernest, Odette Ernest Dias, Tina Pereira (que participou da gravação, mas morreu no ano passado) e Pauxy Gentil Nunes (flautas bororo).
(manipulação de efeitos) para o programa Instrumental SESC Brasil.