Clipping: III Bienal de Música Contemporânea


Bienal de Música Contemporânea chega à terceira edição

A Bienal de Música Brasileira Contemporânea de Mato Grosso, chega à terceira edição ratificando sua posição como um dos principais eventos do gênero no país. Em comparação com a bienal de 2006, está mais curta - são sete dias contra 11 da anterior -, mas o fato não quer dizer absolutamente que houve redução na qualidade, tanto dos convidados como de apresentações e palestras. Este é, sem dúvida, um diferencial que seu idealizador, o compositor Roberto Victorio, faz questão de manter. Além de representantes locais estão confirmados Gilson Antunes, Paulo Pedrassoli, Edson Zampronha, Doriana Mendes, Ingrid Barancoski e Rodolfo Caesar, entre outros.

Uma das presenças mais esperadas, a do homenageado deste ano, o compositor Alceo Bocchino (1918), infelizmente não se concretizará. Ele não pôde vir por causa de um caso de morte na família. Pianista de excelente formação técnica, marcou época com o trio formado junto com Anselmo Zlatopolsky e Iberê Gomes Grosso. Como regente, dirigiu várias e importantes orquestras do Brasil e do exterior, promovendo primeiras audições de obras de compositores brasileiros, como é o caso do Concerto nº 5 para piano e orquestra de Heitor Villa-Lobos e a estréia mundial da suíte Francette e Piá, também do compositor. Por estas e inúmeras outras razões, ele merece todas as homenagens possíveis.

Bocchino também seria um dos palestrantes, na verdade o que abriria uma série imperdível de encontros com grandes nomes da música contemporânea brasileira. Na terça-feira (28), o violonista, professor, escritor e pesquisador Gilson Antunes tratará do tema "Reflexões Violonísticas - Técnica, Estética e História", seguido do já bem conhecido dos mato-grossenses Edson Zampronha, que faz a palestra "A forma revela seu segredo". Na quarta-feira (29), o eletroacústico Rodolfo Caesar fala sobre "O mundo em loop" e Silvio Ferraz, que trabalha com criação e performance musical com auxílio de computador, aborda "Alguns aspectos da idéia de ciclos na escritura de Dona Letícia (Ritornelo II)".

As palestras prosseguem na quinta-feira (30), com a participação da soprano, atriz e bailarina Doriana Mendes, que tratará do tema "Versatilidade do Intérprete Contemporâneo -da partitura ao palco"; e de Vanessa Rodrigues, com o tema "A Composição a partir do Caos". Vanessa é ex-estudante de Música da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), reside em Campinas e tem seu trabalho baseado na área de Composição. O último dia de palestras, a sexta-feira (31), traz a pianista virtuose Ingrid Barancoski abordando o tema "Repertório moderno e contemporâneo no ensino do piano"; e Marcos Nogueira, doutor em Comunicação e Cultura e mestre em Musicologia, com o tema "Como fazemos os sons se moverem".

A parte musical é outro caso a parte. Além de falar aos participantes, os palestrantes mostram todo seu virtuosismo em apresentações solo ou em conjunto com músicos de Mato Grosso. A abertura será feita hoje, às 20h, pelo Trio Sextante, composto pelos músicos Rose Vic (soprano), Teresinha Prada (violão) e Roberto Victorio (violão/viola caipira). O trio é parte do grupo Sextante, que foi formado no Rio de Janeiro, em 1986, pelo compositor Roberto Victorio. No domingo, também às 20h, o Quarteto Contemporâneo de Violões, composto por Teresinha, Paulo Pedrassoli, Gilson Antunes e Roberto Victorio, promete encantar com um repertório escolhido especialmente para esta bienal.

Não poderia ser diferente com um grupo que tem músicos tão gabaritados. Teresinha é bacharel em Música pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e professora de Prática Instrumental (Violão) na UFMT. O violonista Paulo Pedrassoli foi premiado no Concurso Internacional de Violão Villa-Lobos e é aplaudido por seu estilo personalíssimo. Gilson Antunes se formou no Conservatório Musical Mário de Andrade com Levy Harzer, em 1989. Fez bacharelado em música na Unesp e estudou violão com Giácomo Bartoloni. Já Roberto Victorio foi professor de composição e orquestração do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro; regente e diretor musical da Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro. Como compositor tem em seu catálogo mais de duas centenas de obras executadas nos principais eventos de música contemporânea fora do país.

Na segunda-feira, três concertos prometem se estender noite adentro, com o Conjunto de Violões e a Orquestra de Câmara, ambos do Departamento de Artes da UFMT, e o Ciranda Sax. Este último, criado em 2006, sob a direção do professor Murilo Alves, destaca-se por ser formado pelos alunos da classe de saxofone do Projeto Ciranda Música e Cidadania. Em sua trajetória o Ciranda Sax já tocou ao lado de músicos como Carlos Malta, Sergio Galvão, Itiberê Zwarg e Vittor Santos.

Na terça-feira, a música Eletroacústica é o grande destaque. O público vai se surpreender com uma apresentação que alia música, poesia, voz e imagens. Na quarta-feira, quem ganha o palco é o Duo Laguna, com Doriana Mendes e o violonista Marco Lima. Com 11 anos de carreira, o Duo se destaca no panorama camerístico do Rio de Janeiro e é presença constante nas principais salas de concerto e séries de música erudita da cidade e de outras importantes capitais culturais brasileiras como São Paulo, Belo Horizonte, Rio Branco, Manaus e Belém.

Na quinta-feira a pianista Ingrid Barancoski faz um concerto solo de piano. A paranaense é doutora pela Universidade do Arizona, mestre pela Eastern Illinois University e graduada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. No repertório da noite ela apresenta obras de Alceo Bocchino, Gilberto Mendes, Almeida Prado e Roberto Victorio, sendo uma das obras estréia mundial deste compositor. Na última noite, dia 31, o Cuiabá Ensemble faz um concerto especial de encerramento. Formado por instrumentistas do Departamento de Artes da UFMT exclusivamente para a 3ª Bienal, eles apresentam seis obras em primeira audição mundial de compositores de Mato Grosso, além de obras de Alceo Bocchino, Caio Senna e Roberto Victorio. O Cuiabá Ensemble é formado por Anderson Rocha (violino), Teresinha Prada (violão), Murilo Alves (clarineta), Marisa Rosati (piano), Cássia Virginia Coelho de Souza (piano) e Roberto Victorio (violoncelo).

Divulgação - Como não tem espaço na grande mídia, a música contemporânea - que nada mais é do que a música erudita dos séculos 20 e 21 - tem nas bienais e outros encontros realizados no Brasil e no exterior o seu principal canal de divulgação. Roberto Victório, explica que as bienais são palco de estréias mundiais e primeiras audições públicas de muitas obras, como será este caso. "Isso é importantíssimo", diz. Também o é porque apresenta os autores vivos. "Nós temos tantos autores vivos e que são absolutamente desconhecidos. As bienais em geral primam pelos autores que são vivos. E, no caso da nossa, os autores novíssimos, principalmente os daqui. É um grande estímulo para eles", frisa.

Victorio lamenta que haja, ainda, um grande desconhecimento do público em geral em relação à música contemporânea. "Na verdade, as pessoas não conseguem pensar que existem compositores eruditos escrevendo, e coisas sérias e de uma qualidade absurda", opina. É como se a produção de qualidade, de erudição, tivesse parado nos séculos 18 e 19. O século 20 produziu grandes gênios que estão morrendo e não se está divulgando isso, reclama. É o caso de gente como o húngaro Gyorgy Ligeti, que teve algumas de suas músicas usadas na trilha de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, e morreu em 2006, sem muita divulgação; ou o polonês Krzysztof Penderecki; ou o alemão Karlheinz Stockhausen, que nos deixou em dezembro do ano passado. "Dos grandões mesmo só sobrou o Pierre Boulez, que é um compositor francês, um dos últimos papas da música", informa.

Para Victorio, realizar uma Bienal não é só montar um evento de qualidade. É lutar contra o que ele chama de "tsunamis da boçalidade", em que a qualidade artística é relegada e muita coisa sem consistência ganha grande espaço. "Uma coisa impressionante. As pessoas precisam entender que em Mato Grosso existe gente fazendo música seríssima, de qualidade", dispara. Existe uma produção dentro da academia que não é entretenimento, é resultado de pesquisa, diz. "É alta produção. Os nossos compositores daqui são muito bons", garante.

O compositor reconhece que a dificuldade é grande para realizar uma bienal de música contemporânea, mas alerta que não se pode deixar de fazer esse tipo de ação. E não pretende parar. Ao contrário, já está mexendo com a próxima. Ela está sendo montada e trará grupos de fora do Brasil, um da Espanha e outro da Itália. Além disso, os organizadores da Bienal estudam a idéia de, nos anos ímpares, realizar um festival de música de câmara contemporânea, não só brasileira mas do mundo todo. Uma forma de incentivar a música de câmara, de ocupar esse espaço entre bienais, salienta.

Referência - Por sua importância para a música contemporânea brasileira como compositor e a luta por seu fortalecimento e divulgação, Victorio é visto como um ídolo. O regente Murilo Alves, por exemplo, o aponta como uma figura importante dentro do Departamento de Música da UFMT. Segundo ele, a presença do compositor cria uma expectativa muito grande nos alunos de que avancem no estudo da música. "Quando você chega para estudar música desse período, do século 20 para cá, você tem uma pessoa que é exatamente dessa área, que viveu essas tendências, essas correntes, viu de perto, conheceu esses compositores. Isso cria uma expectativa extremamente positiva", diz.

O contato com a música contemporânea é muito enriquecedor, opina Alves. Ela é totalmente diferente do que se costuma estudar normalmente. "E isso permite você ter uma visão bem maior dessa história toda, do que veio antes. Quando você entra em contato com a música contemporânea e toca por exemplo uma música com estruturas muito mais complexas, um tratamento ao material sonoro totalmente diferenciado do que você tinha visto na música tradicional, então isso te dá uma visão ampla. É positivo no sentido técnico também. Te abre um leque de possibilidades de compreensão de tudo que veio antes", observa.

Apoio - A Bienal de Música Brasileira Contemporânea de Mato Grosso, que começa hoje e vai até o dia 31 de outubro, no Auditório do Instituto de Linguagens (palestras) e no Auditório do CCBS (concertos), da UFMT, terá entrada gratuita. Conta com o apoio da Capes, Fapemat, Instituto de Artes do Departamento de Linguagem da UFMT, 312 Studios, SindiMusi, Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO), Sociedade Brasileira de Música Contemporânea e CDMC - Brasil Unicamp.

Serviço - Mais informações podem ser obtidas no site www.bienalmt.com.br.

Autor: Luiz Fernando Vieira
Publicado em: 25/10/2008
www.gazetadigital.com.br
 
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