O Violão e a Música Contemporânea


O Violão e a Música Contemporânea
por Teresinha Prada


Palestra proferida na II Bienal de Música Brasileira
Contemporânea de Mato Grosso - Cuiabá/2008
Objetivos

-Abordar as inovações de grafia
-demonstrar e experimentar as possibilidades sonoras, timbres e os diversos efeitos produzidos valendo-se da utilização de elementos ou objetos de uso cotidiano e não-ortodoxos dentro da música.
-estabelecer as bases comportamentais no palco e conhecer particularidades dos intérpretes mais destacados.
- reconhecer a exaltação rítmica e os contrastes dinâmicos, como pilares da composição.

Os termos empregados para se designar a música que se fez no século XX foram provenientes de vários movimentos artísticos bem como esses mesmo termos realizaram uma contra-influência em outras áreas.

Um dos primeiros termos que vem à cabeça quando se pensa na música que se fez nas primeiras décadas do século XX é a chamada “vanguarda”. O termo surgiu na área militar, no qual estavam na vanguarda aqueles primeiros soldados que abriam o caminho à frente de um exército. Deste sentido original, a vanguarda passou a representar figurativamente as primeiras inovações em várias áreas artísticas e cada movimento pregava a ruptura de uma tradição, levando a uma outra concepção mas sem uma aceitação imediata, sendo mais considerada no futuro e servindo como fonte de inspiração para outras concepções.


Já a palavra “contemporânea” abrange todos os movimentos ao longo do século que possuíam em si mesmos os aspectos da vanguarda, isto é, o moderno, o novo, o original, o avançado. Conta-se mais de 20 tendências dentro da Arte Contemporânea e isso aconteceu devido à busca pela originalidade como sinal de ser atual. Assim, a arte contemporânea veio para radicalizar, perturbar, chocar e se rebelar com a tradição, e muitas vezes com a tradição imediatamente anterior ao seu tempo.

Alguns dos nomes das artes plásticas migraram para a música: Impressionismo, Expressionismo, Dadaísmo, Minimalismo, Performance/Happenings. Há ainda os termos Moderno e Pós-moderno vindos das áreas da Literatura e Arquitetura e que se refletem em Música. No Brasil, o termo Moderno ficou mais fortemente marcado pela opção do ser nacional, ou seja, o moderno era sermos nós mesmos.

Outro termo empregado na música do século XX é a “música nova”, vindo da expressão na Alemanha “Neue Musik”, mais divulgado ainda por Adorno em seu texto “Filosofia da Nova Música” (1949). E aqui o novo é se opor sistematicamente ao velho.

À parte a definição da essência dessa música, nos aspectos técnicos a composição da música do século XX passou por uma série de acontecimentos que vieram desde o alargamento da tonalidade em Wagner e Richard Strauss, a uma economia no uso de elementos, como em Debussy, até uma diminuição e total exclusão no uso do sistema tonal, refletida no Expressionismo, Dodecafonismo e Serialismo da escola de Viena, e se firmando principalmente após a 2.ª guerra mundial na Europa, em especial França e Alemanha, de onde vieram as principais linguagens que originaram cada vez mais novas linhas da música: concreta, aleatória, eletroacústica, eletrônica e outras, inclusive um certo “tonalismo modificado” - não um neoclassicismo ou neobarroco - que vem se firmando bastante, e que será comentado mais adiante.

Os compositores do 2.º pós-guerra que mais alcançaram renome foram: Karlhein Stockhausen, Pierre Boulez, Luigi Nono, Luciano Berio, Bruno Maderna e John Cage.




Violão na música contemporânea e seus procedimentos

Independente da quantidade de possibilidades que a música contemporânea inovou ao trazer para a música aspectos não ortodoxos, a maior parte da música do século XX para violão continuou seguindo um caminho mais tradicional, ou seja por muito tempo houve uma certa resistência ou bloqueio por parte dos compositores em conferir ao violão uma linguagem mais moderna. Isso pode ter sido por dois grandes motivos: primeiro porque o violão é um instrumento extremamente idiomático, ligado a fortes concepções do passado, e segundo porque possui uma técnica minuciosa para se compor, ou seja, não é um instrumento de realização acessível e aparente - vários pormenores vêm à tona na hora de compor.

1. Tonalismo modificado

Entretanto, do total de obras para violão do século XX, algumas ultrapassaram essa barreira do continuísmo, e embora prevaleçam as formas como prelúdios e sonatas, no seu conteúdo, na maioria delas, há um certo tonalismo ou uma indefinição na tonalidade, que alguns chamam de pseudotonalismo, que se pode dizer tratar-se de um retorno a um tonalismo mas por quem passou por uma fase de experimentação, isto é, a forte atuação da música experimental deixou marcas tanto em quem aderiu quanto quem não aderiu às tendências mais modernas. Isso trouxe como conseqüência um certo ar renovador que se misturou a música dos compositores menos adeptos da linguagem de vanguarda.


2. Vanguarda

Dos autores mais envolvidos com a vanguarda, Almeida Prado no Brasil e Leo Brouwer fora do Brasil foram os compositores que melhor representaram essa virada trazendo uma linguagem mais moderna ao violão. Brouwer também foi um grande intérprete de obras contemporâneas,executando grandes autores em voga.

Ex. Portrait – A.Prado; C.Halfter, por Brouwer.

3. Rítmica

A rítmica é um dos elementos que mais vem se realçando na linguagem musical da estética do novo. Na busca de um diferencial em relação às obras do passado, não é raro encontrar peças que inovam quanto a grande profusão de ritmos, como em Sequenza XI de Luciano Berio.

4. Dinâmica

Há nas obras contemporâneas muita solicitação de contrastes de dinâmica, como um procedimento mesmo dessa música. A idéia de uma emancipação da melodia trouxe a percepção de outros parâmetros possíveis de ser destacados.

Ex. Canticum, Brouwer.

5. Timbres

Há no violão uma especial facilidade no uso de timbres que possibilita muitas variações. Na música contemporânea o centro é deslocado da melodia (condição vigente na tradição tonal) para outros enfoques, como ritmo, dinâmica e o timbre.

6. Aleatorismo

O aleatorismo é um procedimento muito usado na música contemporânea e consiste na indefinição da altura das notas ou há uma explicitação da melodia por meio de um grupo de notas a ser executado pelo intérprete, livre e aleatoriamente. No violão já há muitas obras com o uso do aleatorismo.

Ex. Marcelo Mello, Batuque.

Ex. Brouwer, Espiral Eterna.

Seção B – No final da seção a solicitação de que as notas tenham sua entonação apagada aponta para o aleatorismo da altura das notas, determinada agora pela improvisação na execução do intérprete de acordo com sua visão do desenho curvilíneo da melodia. Imposição de 2 minutos também para esta seção.

7. Improvisação

Ligado ou não à idéia de aleatório. Há o improviso e o improviso controlado.

(Ex. Decameron Negro,Leo Brouwer).

Exemplos

Seção A – Repetição de melodia cromática indicada dentro dos retângulos, durante 2 minutos. O improviso fica a cargo do intérprete em relação a quantas vezes repetirá a melodia de cada módulo, observando a duração definida em 2 minutos.

Seção C – Improvisação a critério do intérprete, observando os desenhos de dinâmica e altura propostos, durante 45 segundos.

8. Minimalismo

O Minimalismo é um procedimento em que se busca compor uma música com o mínimo de material, repetindo as células em grande número de vezes, de modo que haja uma mudança gradual.

(Ex. Decameron Negro,Leo Brouwer).

Ex.: A seção C- Primer Galope de los Amantes, utiliza várias quiálteras. O uso do Minimalismo é controlado pela solicitação da repetição de quatro vezes (x4) cada módulo e há uma idéia de alongar cada vez mais o movimento até atingir um auge e começar uma volta, diminuindo os movimentos.

Ex.: Na seção G- Por el Valle de los Ecos, os aspectos minimalistas são ampliados aqui, como forma de demonstrar a sensação de eco e de um galope.

Outros Ex. Paisage Cubano con lluvia, L. Brouwer.
Ex. Estudo 20, L.Brouwer.

9. Símbolos

A representação de novas idéias para a música obrigatoriamente solicitou uma nova escrita dos símbolos musicais.A escrita da música contemporânea para o violão basicamente segue os padrões de todos os instrumentos. A seguir, alguns exemplos:

(Ex.: Aurelio de La Veja; bula de Batuque de autoria de Marcelo Mello, Ex. Trecho da bula de Rito de los Orishas, de Leo Brouwer.)

O autor pede a execução de slaps, linguagem típica da guitarra elétrica, mas possível de serem feitos também no violão acústico, bem como fazer uma nota distorcer. É sempre eficiente escrever uma bula com as indicações próprias da peça, para não haver incompreensão quanto à solicitação expressa pelo autor.

Ex. Trecho da bula de La Espiral Eterna, de Leo Brouwer. Solicitação rde pizzicato alla Bartók.
Ex. Percussion Piece, do álbum Guitarcosmos 3, de Reginald Smith Brindle. Outra forma de solicitar pizzicato alla Bartók.

Ex. Percussion Piece, do álbum Guitarcosmos 3, de Reginald Smith Brindle. O autor esclarece em que local quer a percussão – perto do cavalete – e os dedos da mão direita que devem ser utilizados – anelar (a) e indicador (i)

Ex. Trecho da bula de Batuque, de autoria de Marcelo Mello. Solicitação de glissandos aleatórios, somente com a indicação da direção de agudo para grave ( \ ) e de grave para agudo ( / ), próximo as notas possíveis – do primeiro espaço à primeira linha, do segundo espaço às linhas suplementares.

Ex. Trecho da bula de La Espiral Eterna, de Leo Brouwer. Solicitação de outro tipo de glissando que resultará em um som de arraste da mão direita, usando as unhas.

Ex. Trecho da peça La Espiral Eterna, de Leo Brouwer. Solicitação de procedimentos em seqüência: pizzicatto e nota de entoação apagada, cada vez mais indo para a região aguda do violão.

Ex. Trecho da peça La Espiral Eterna, de Leo Brouwer. Solicitação de notas produzidas com as duas mãos percutindo sobre o braço do violão.

10. Gestual:

A música contemporânea também foi responsável por um maior envolvimento da música com outras áreas, entre as quais o teatro. Não é raro assistir com outros instrumentos, para quem acompanha festivais e mostras de música experimental, uma apresentação de um músico que envolva alguma encenação teatral.

11. Interação com outros elementos:

Alguns autores já solicitaram o uso de objetos extramusicais para a realização de suas obras. Rodolfo Coelho de Souza, em Estudo 1, solicita uma régua para fazer sons raspados nas cordas do violão. Leo Brouwer já utilizou o arco do violoncelo em Metáfora del amor. E Antonio Ribeiro solicitou uma régua tipo transferidor para realizar movimentos da mão direita em Violens Ironiae.


Teresinha Prada interpreta "Linhas Hibridas" composição eletroacústica mista de Cristina Dignart

12. Eletroacústica:

O contexto da música eletroacústica no meio violonístico foi apresentado bem tardiamente aos brasileiros, apesar de já haver uma série de obras na qual o violão esteve inserido, desde a década de 60.

Ex. Changes (1988), de Elliot Carter, gravada por David Starobin.

Também o uso de pré-gravação foi uma inovação trazida pela música contemporânea.
Ex. Steve Reich, Electric Counterpoint

Electric Counterpoint (1989) é uma peça em 3 movimentos e tem partes escritas para 11 violões e 2 baixos elétricos. A idéia é pré-gravar as partes dos 2 baixos e 10 violões e o violão que faltou, ao vivo em uma performance.


autora: Teresinha Prada
fotos: lcwebd®
 
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